terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Aulas de xadrez no escurinho do cinema


Prefácio de Letícia Bahia Diniz


Esse texto não é meu. Foi escrito pelo meu professor de xadrez, que além de professor de xadrez, é meu irmão. Transcrevo a seguir a troca de SMS na qual isso tudo começou: 

Guilherme Bahia: Peroba, não tô vendo o 10 pérolas avisar que hoje é aniversário da morte do Humphrey Bogart. Ainda dá tempo!

Eu: Mas eu não saberia fazer nenhum comentário sobre ele...

GB: Diz que ele era um bom enxadrista, razão pela qual Casablanca tem a cena de xadrez mais rica da história do cinema.

GB: Lança um desafio pro teu público dizer quais são essas metáforas. Interativo! 2.0!

Eu: Po, eu fiquei bem afim, mas vasculhei a internet e não consegui achar a tal cena... Por que você não escreve um texto sobre o xadrez no cinema?


***

A Defesa Francesa (Guilherme Bahia Diniz)

Os peões pretos são a linha Maginot. A linha Maginot era a defesa da França contra a invasão da Alemanha. Mas a linha Maginot parava na Bélgica, bem ali onde está o fim da linha de peões pretos. E é pela Bélgica que o cavalo branco ataca. O cavalo branco está contornando a linha Maginot como a Blitzkrieg contornou a linha de peões pretos em 1940.

Essa belíssima metáfora do xadrez foi levada ao cinema por Humphrey Bogart em Casablanca, filmado quando a Alemanha Nazista dominava toda a Europa e parecia invencível. Bogart era um grande enxadrista e soube usar as nuances desse jogo fascinante para fazer a posição no tabuleiro espelhar a guerra na Europa, da qual a cidade de Casablanca era uma porta de fuga. 

A foto reproduz parcialmente a posição do tabuleiro numa cena do filme. Quem joga xadrez já pressentiu que a metáfora vai mais longe, porque a posição das pretas parece uma abertura chamada Defesa Francesa. Parece e é. Nada disso é fácil de perceber, porque na cena o tabuleiro aparece pouco e de um ângulo não muito favorável. Quem nos socorre é o excelente artigo A French Defense From Casablanca, que conseguiu deduzir a posição das peças (o link do artigo também mostra a cena, que é difícil de achar no YouTube).

Seria a extrema sutileza parte da genialidade? Seria demais querer a Defesa Francesa no nome do filme? Fico a lembrar de um outro, que teve “defesa” no nome. A Defesa Luzhin é sobre um gênio do xadrez atormentado por distúrbios mentais. A história original foi escrita por Vladimir Nabokov, que nas horas vagas compunha problemas do tipo “mate em tantos lances” ou “jogam as brancas e ganham”. 

A Defesa Luzhin não existe no xadrez, mas existe dramaticamente nos conflitos desse personagem com o mundo. Luzhin era um homem esmagado pela genialidade, nas palavras do próprio Nabokov. A defesa dele é uma fuga, tão dramática e bela que sua sequência de lances mais genial (mostrada no filme!) foi executada por sua noiva, que sequer sabia jogar xadrez, porque ele morreu depois de escrever a sequência num papel. Se jogasse xadrez com a Morte, como fez o protagonista de O Sétimo Selo, Luzhin poderia vencer. Mas provavelmente preferiria fugir. 



Casablanca também é sobre fuga. Não uma fuga de si mesmo, mas de uma nova realidade, desesperadora, que havia engolido a Europa. Os franceses haviam fugido em Dunquerque como exército encurralado, e fugiam em Casablanca como órfãos de um mundo que desmoronava. “Sempre teremos Paris”, disse Rick a Ilsa. Mas como, se a Defesa Francesa falhou?




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