segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

George Harrison, seu tratante!

Hoje o ex-Beatle completaria 70 anos. Hare krishna, George! Amanhã, entretanto, será o aniversário de 32 anos de uma data que ele não gostaria de recordar. 

Em 1963, o grupo norte-americano The Chiffons gravou a canção He's So Fine, do compositor Ronnie Mack. Os direitos da canção pertenciam à Bright Tunes Editora. Você deve estar se perguntando quem são essas pessoas, que diabo de música é essa e por que cargas d'água estou mencionando esse pessoal todo. É que esse pessoal todo ganhou fama quando obteve êxito um certo processo movido contra George Harrison. Em 26 de fevereiro de 1981, após uma série de batalha judiciais, George finalmente abriu a carteira e indenizou a Bright Tunes pelo plágio inconsciente que resultou na maravilhosa My Sweet Lord.

A canção veio pra dizer que o rock não iria morrer, como profetizaram os mais pessimistas depois das mortes de Janis Joplin, Hendrix, Jim Morrison e do rompimento dos Beatles. O mundo precisava de My Sweet Lord, conforme comprovou seu sucesso imediato e mundial. Mas com o sucesso veio a dúvida: inicialmente foram os amigos de George. Depois os rumores caíram na mídia, e daí para os tribunais foi um pulo. O hit maior do ex-Beatle, comentava-se, era plágio. 

Depois de exaustivas audições, as tentativas de defesa falharam e em 7 de setembro de 1976 George foi condenado pelo plágio não intencional da canção de Ronnie Mack. George admitia a semelhança, embora sempre tenha dito que não houve intenção de cópia. A batalha só foi terminar em 1981, quando George finalmente desembolsou os 587 mil dólares que fizeram a alegria da Bright Tunes. O detalhe sórdido é que a grana foi parar direto nas mãos de Allen Klein. Allen havia sido empresário dos garotos de Liverpool, mas tornara-se figura queimadíssima no showbizz após alguma maracutaias, tendo inclusive passado férias na cadeia por sonegação. Era, provavelmente, o último homem a quem os Beatles gostariam de destinar os 587 mil, mas por capricho do destino, comprara a Bright Tunes pouco antes de o George receber o golpe de misericórdia.    

Agora é hora do nosso exercício de audição. He's So Fine ta aí, e você vai perceber a semelhança nos primeiros segundos. E na sequência, vamos ao que viemos e dá-lhe George Harrison em versão ao vivo desse clássico inspirador que todos amamos. O que é que a gente pode dizer de um cara desses? Hoje é seu aniversário, George, e ninguém se importa com o que tem de parecido com uma música tão bonita dessas. Hare krishna







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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O passado negro da Roberta Sá

Quando eu falei pra minha amiga Caroline Riley que eu tinha vontade de me inscrever no The Voice Brasil ela torceu o nariz e falou: "hum... eu imagino você uma coisa mais Roberta Sá". Eu comecei a rir e logo a Carol entendeu, porque eu contei pra ela que a Roberta tinha começado no Fama.

Foi em 2002, na segunda edição que ela apareceu, destoando radicalmente dos outros participantes e do formato pirofágico global. Eu me lembro que na página dela, dentro da página oficial do Fama, Roberta escreveu que seu ídolo era Chico Buarque. Os ídolos de quase todos os outros participantes eram seus respectivos progenitores. Cafona, né?

Bom, é claro que a moça não se deu muito bem. Na segunda edição, a Globo tirou dos jurados o poder de filtrar os candidatos, passando as escolhas a serem integralmente do público. O resultado é que o vencedor foi o Marcus Vinícius. Não é que ele fosse ruim, mas sabe-se que ele ganhou por um apelo emocional da emissora, que promoveu, durante as filmagens, o reencontro de Marcus com seu pai, que desaparecera quando ele tinha 14 anos. 

Fui reencontrar a Roberta no final de 2003, quando reconheci de imediato a voz que cantava A Vizinha do Lado, clássico de Dorival Caymmi que integrou a trilha da novela Celebridade [R.I.P. Laura Prudente da Costa]. A moça, que não precisava mais dar provas de seu talento, começava a mostrar a primorosa escolha de repertório que marcaria sua carreira. 

Mas ainda faltava chão pra ela estourar. Em 2004, foi contratada pra gravar um disco que seria brinde de uma empresa e não foi lançado comercialmente. Sambas e Bossas tem arranjos simples e delicados. É um disco bem gostoso, mas talvez um pouco repetitivo. E então chegamos em 2005! A Roberta deve ter penado um tanto pra se livrar do estigma de ter saído de um programa de calouros (né, Carol?). Mas parece que deu certo, porque Braseiro, seu disco de estreia, teve participação de MPB-4 e Ney Matogrosso. A moça sabe fazer amigos bacanas! Hoje é casada com o Pedro Luis (sim, o da Parede), recebeu Chico Buarque na gravação de seu DVD (realizando meu sonho e o dela) e vive cercada de gente do calibre de Hamilton de Hollanda - tido por muitos como o maior bandolinista vivo - e o Trio Madeira Brasil, com quem lançou o maravilhoso álbum Quando o Canto É Reza.

Infelizmente eu não achei quase nada da época do Fama. Vamos ficar com a interpretação ligeiramente cafona de Só Tinha de Ser com Você, do mestre Jobim. Depois a gente pede pra ela explicar a roupa e as reboladas.





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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Aulas de xadrez no escurinho do cinema


Prefácio de Letícia Bahia Diniz


Esse texto não é meu. Foi escrito pelo meu professor de xadrez, que além de professor de xadrez, é meu irmão. Transcrevo a seguir a troca de SMS na qual isso tudo começou: 

Guilherme Bahia: Peroba, não tô vendo o 10 pérolas avisar que hoje é aniversário da morte do Humphrey Bogart. Ainda dá tempo!

Eu: Mas eu não saberia fazer nenhum comentário sobre ele...

GB: Diz que ele era um bom enxadrista, razão pela qual Casablanca tem a cena de xadrez mais rica da história do cinema.

GB: Lança um desafio pro teu público dizer quais são essas metáforas. Interativo! 2.0!

Eu: Po, eu fiquei bem afim, mas vasculhei a internet e não consegui achar a tal cena... Por que você não escreve um texto sobre o xadrez no cinema?


***

A Defesa Francesa (Guilherme Bahia Diniz)

Os peões pretos são a linha Maginot. A linha Maginot era a defesa da França contra a invasão da Alemanha. Mas a linha Maginot parava na Bélgica, bem ali onde está o fim da linha de peões pretos. E é pela Bélgica que o cavalo branco ataca. O cavalo branco está contornando a linha Maginot como a Blitzkrieg contornou a linha de peões pretos em 1940.

Essa belíssima metáfora do xadrez foi levada ao cinema por Humphrey Bogart em Casablanca, filmado quando a Alemanha Nazista dominava toda a Europa e parecia invencível. Bogart era um grande enxadrista e soube usar as nuances desse jogo fascinante para fazer a posição no tabuleiro espelhar a guerra na Europa, da qual a cidade de Casablanca era uma porta de fuga. 

A foto reproduz parcialmente a posição do tabuleiro numa cena do filme. Quem joga xadrez já pressentiu que a metáfora vai mais longe, porque a posição das pretas parece uma abertura chamada Defesa Francesa. Parece e é. Nada disso é fácil de perceber, porque na cena o tabuleiro aparece pouco e de um ângulo não muito favorável. Quem nos socorre é o excelente artigo A French Defense From Casablanca, que conseguiu deduzir a posição das peças (o link do artigo também mostra a cena, que é difícil de achar no YouTube).

Seria a extrema sutileza parte da genialidade? Seria demais querer a Defesa Francesa no nome do filme? Fico a lembrar de um outro, que teve “defesa” no nome. A Defesa Luzhin é sobre um gênio do xadrez atormentado por distúrbios mentais. A história original foi escrita por Vladimir Nabokov, que nas horas vagas compunha problemas do tipo “mate em tantos lances” ou “jogam as brancas e ganham”. 

A Defesa Luzhin não existe no xadrez, mas existe dramaticamente nos conflitos desse personagem com o mundo. Luzhin era um homem esmagado pela genialidade, nas palavras do próprio Nabokov. A defesa dele é uma fuga, tão dramática e bela que sua sequência de lances mais genial (mostrada no filme!) foi executada por sua noiva, que sequer sabia jogar xadrez, porque ele morreu depois de escrever a sequência num papel. Se jogasse xadrez com a Morte, como fez o protagonista de O Sétimo Selo, Luzhin poderia vencer. Mas provavelmente preferiria fugir. 



Casablanca também é sobre fuga. Não uma fuga de si mesmo, mas de uma nova realidade, desesperadora, que havia engolido a Europa. Os franceses haviam fugido em Dunquerque como exército encurralado, e fugiam em Casablanca como órfãos de um mundo que desmoronava. “Sempre teremos Paris”, disse Rick a Ilsa. Mas como, se a Defesa Francesa falhou?




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