Contou-me uma professora de História que brasileiro gosta
tanto assim de bunda por causa da escravidão. É que os homens de cor clara
queriam muito distrair-se com alguma negrinha, mas viravam-nas de costas pra
deixar o coito mais impessoal. Faz sentido, já que as teorias evolucionistas
percorrem o caminho inverso pra explicar o surgimento do amor: na medida em que
a nossa postura foi ficando mais ereta, inventamos a posição sexual que permite
o olho no olho e que é privilégio exclusivo da espécie humana. E quando nos
olhamos nos olhos... Razoável então supor que os portugas, muito bem casado com
suas bigodudas de mesma cor, expressassem seu interesse meramente carnal reposicionando
suas negrinhas na posição primitiva. E foi assim que a bunda garantiu seu lugar
na vista panorâmica do brasileiro e entrou para o panteão dos desejos
nacionais.
Infelizmente a hipótese da minha professora não é
verificável. Mas não importa. Ela pode não estar certa quanto ao porquê, mas ninguém
discute o poder de uma bunda, que eu mesma pude verificar essa semana.
Em 1925 Dali pintou Moça à Janela, possivelmente a minha
tela favorita dele. Acho de uma poesia ímpar que ele nos mostre não a moça, mas
o que a moça contempla. A imagem é um convite para a abertura, para ampliar olhares
e perder-se no horizonte. Já há alguns anos penso em colocar um pôster da Moça no
meu consultório de Psicologia. São muito parecidos os convites, o lançar-se do
Dali e a descoberta do novo que eu proponho aos meus pacientes.
O Dali ainda não foi parar nas minhas paredes, mas foi a
imagem que escolhi para a página inicial do meu site, que venho construindo nas
últimas semanas. Terminei o esqueleto e encaminhei o link a alguns queridos,
pedindo opiniões honestas sobre suas impressões.
Foi chocante. Eu havia me esquecido do que me contara a professora
de História do colegial, e fiquei perplexa com o comentário geral sobre o
Dali. “É muito bonito”, disseram, “poético e sugestivo... mas que bundinha, hein?”!
Na primeira vez eu relutei. A segunda me chegou com explicações psicanalíticas de
alto calibre, e eu comecei a suspeitar que o convite do Dali fosse outro. Contei
o ocorrido ao meu irmão e ele deu-me o golpe de misericórdia: “eu não queria
dizer nada, mas foi a primeira coisa em que pensei”.
Absolutamente resignada, recomecei minhas buscas pela imagem
ideal. Dá-lhe Google, cheguei em O Livro Árvore, outro Dali. Tem também
janela, amplidão de horizonte, azul que descansa a vista, mas a imagem ideal, a
minha imagem ideal, eu já encontrara e era a tanajura do Dali.
Depois da angústia veio a decisão. Munida de minha versão mais castradora triunfei sadicamente sobre os portugueses,
sobre os psicanalistas e sobre o meu irmão; em nome das negrinhas, das
fêmeas dos animais e da Moça eu me vinguei: cortei a bunda do Dali! E pronto, está inaugurado o meu site!