terça-feira, 23 de outubro de 2012

A bunda do Dali


Contou-me uma professora de História que brasileiro gosta tanto assim de bunda por causa da escravidão. É que os homens de cor clara queriam muito distrair-se com alguma negrinha, mas viravam-nas de costas pra deixar o coito mais impessoal. Faz sentido, já que as teorias evolucionistas percorrem o caminho inverso pra explicar o surgimento do amor: na medida em que a nossa postura foi ficando mais ereta, inventamos a posição sexual que permite o olho no olho e que é privilégio exclusivo da espécie humana. E quando nos olhamos nos olhos... Razoável então supor que os portugas, muito bem casado com suas bigodudas de mesma cor, expressassem seu interesse meramente carnal reposicionando suas negrinhas na posição primitiva. E foi assim que a bunda garantiu seu lugar na vista panorâmica do brasileiro e entrou para o panteão dos desejos nacionais.

Infelizmente a hipótese da minha professora não é verificável. Mas não importa. Ela pode não estar certa quanto ao porquê, mas ninguém discute o poder de uma bunda, que eu mesma pude verificar essa semana.

Em 1925 Dali pintou Moça à Janela, possivelmente a minha tela favorita dele. Acho de uma poesia ímpar que ele nos mostre não a moça, mas o que a moça contempla. A imagem é um convite para a abertura, para ampliar olhares e perder-se no horizonte. Já há alguns anos penso em colocar um pôster da Moça no meu consultório de Psicologia. São muito parecidos os convites, o lançar-se do Dali e a descoberta do novo que eu proponho aos meus pacientes.

Dali e Psicologia


O Dali ainda não foi parar nas minhas paredes, mas foi a imagem que escolhi para a página inicial do meu site, que venho construindo nas últimas semanas. Terminei o esqueleto e encaminhei o link a alguns queridos, pedindo opiniões honestas sobre suas impressões.

Foi chocante. Eu havia me esquecido do que me contara a professora de História do colegial, e fiquei perplexa com o comentário geral sobre o Dali. “É muito bonito”, disseram, “poético e sugestivo... mas que bundinha, hein?”! Na primeira vez eu relutei. A segunda me chegou com explicações psicanalíticas de alto calibre, e eu comecei a suspeitar que o convite do Dali fosse outro. Contei o ocorrido ao meu irmão e ele deu-me o golpe de misericórdia: “eu não queria dizer nada, mas foi a primeira coisa em que pensei”.

Absolutamente resignada, recomecei minhas buscas pela imagem ideal. Dá-lhe Google, cheguei em O Livro Árvore, outro Dali. Tem também janela, amplidão de horizonte, azul que descansa a vista, mas a imagem ideal, a minha imagem ideal, eu já encontrara e era a tanajura do Dali. 


Depois da angústia veio a decisão. Munida de minha versão mais castradora triunfei sadicamente sobre os portugueses, sobre os psicanalistas e sobre o meu irmão; em nome das negrinhas, das fêmeas dos animais e da Moça eu me vinguei: cortei a bunda do Dali! E pronto, está inaugurado o meu site! 



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7 comentários:

  1. Mauricio Bellineloter. out. 23, 06:34:00 PM

    Olá Letícia...

    Poxa, que forma refrescante de escrever, viu! Meus parabéns!!!

    Olha, tive uma impressão um pouco diferente, e sei que é viagem minha, mas vou falar de qualquer forma:

    Me chamou a atenção, o espaço que ele gastou com a parede do lugar em que ela está, sendo essa, como se fosse a "moldura" da tela. A impressão que eu tenho é que com isso, ele quis deslocar o foco pra paisagem (o lago), e, nesse sentido, ele coloca a moça como o objeto observado, e o lago, como o observador... Dessa forma, ela seria como a Monalisa (figurativamente), onde independe o formato da bunda dela ou detalhes das pernas, pois a parte importante é o busto e o rosto...

    Viagem ou não???? :P

    Um beijão.

    Maurício Bellinelo

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    1. Poxa, Maurício, muito obrigada! Você não imagina como fico feliz com os elogios ao blog!

      Quanto à bunda... algumas pessoas me disseram que eu não deveria tê-la "decepado" do site. Foi mesmo uma pequena atrocidade, eu concordo, mas é um site profissional, eu não podia correr o risco de passar uma impressão de algo sexual!

      Gosto muito da sua interpretação. Muito bonita a ideia da paisagem como protagonista! Mas a tela está aí pra isso, né? Cada um tem com ela seu diálogo particular. O que é que eu posso fazer se há tanta gente com mente suja? ;-)

      Um beijo!

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  2. Silvia Bahia Dinizqua. out. 24, 02:11:00 PM

    Lindo texto!
    É minha filha.

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  3. Jonas Ramalho Ribeiroqui. out. 25, 07:41:00 AM

    Oi Letícia!

    Que lindo o seu amor pelas palavras! Parabéns! O texto é realmente um convite a leitura, daquelas que nós gostariamos que nunca acabasse. Bom! Filha de professsora professorinha é! Espero que você contuinue nos contemplando com os seus textos cheios de literatura, história, sociologia e arte!! O melhor da leitura é sentir a fluidez com que você integra uma pensamento à outro! Sejam bem vindos os Dalis, as Letus e todos aqueles que saboreiam a vida em torno do que se tem de melhor: compartilhar a sabedoria! Mais uma vez PARABÉNS! Beijos!

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  4. O Livro árvore ficou muito melhor, e para mim é muito mais instigante do que a bunda na janela.
    Parabéns!
    Beijão, Gus.

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  5. Mas por que tirar a bunda do Dali é um triunfo sobre o Bidas?
    Gui Bahia

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