terça-feira, 17 de abril de 2012

O bizarro desaparecimento de uma cachorrinha com nome de fruta ou Como conheci o simpático submundo do meu bairro

É terça-feira e são cinco horas da manhã. O pobre coitado que passa no Santana caindo aos pedaços quase não acredita na moça que caminha em direção à esquina. Ele pensa que tirou a sorte grande e já desacelera pra começar as negociações, mas ela olha pra ele com desconfiança, faz meia volta e desiste de plantar-se na esquina. O homem vai embora resignado com a perspectiva de mais um dia de labuta e – como se não bastasse – ressaca.


***

Domingo à noite o pós Carnaval da moça ganhou ares de infância quando chegou a surpresa: quatro patinhas totalmente despreparadas para equilibrar o corpinho roliço de apenas 43 dias. A cachorrinha chamou-se Graviola, pois a menina que morava dentro da moça achou fofo, embora muitos tivessem tentado dissuadi-la da escolha argumentando que o nome era muito grande.
Até a moça ficou cansada, mas a menininha não queria senão apertar, apertar, apertar. Ela estava explicando à Graviola que sua razão de ser era fazer aquela criança feliz – função que a cachorrinha desempenhava com maestria.
Finalmente a moça conseguiu levá-las – a menininha e ela própria – pra dormir. Na segunda-feira elas teriam de acordar particularmente cedo, pois a moça tinha reunião às sete e meia da madrugada.

Segunda, seis horas da manhã veio a constatação trágica de que a Graviola desaparecera. O avô dela – também pai da moça – já procurara em todo canto, inclusive na rua, do outro lado dos altos muros que cercam a casa da família. Ele já colocava as meias e os sapatos, resignação de segunda-feira e de Graviola, quando a moça, inconformada, resolveu ela mesma iniciar as buscas pelo bairro.

Do outro lado dos altos muros que cercam a bela casa da família as moças que não têm família trabalham dia e noite pra pagar o aluguel do quartinho da espelunca. Ainda bem: não fosse assim, não estaria na esquina a Rose. A Rose tem três filhos pequenos e um pai que deixou de ser taxista porque virou cadeirante, mas a própria tragédia não a impediu de ficar profundamente comovida com o drama da menininha que perdera a cachorrinha. A Rose tinha visto a Graviola. Ali mesmo na esquina, brincando serelepe com os passantes que começavam suas segundas-feiras. Minutos antes de a moça aparecer, revelou a Rose, uns rapazes que passavam por ali todo dia levaram a cachorrinha. Mas levaram pra onde, meu deus?! A Rose não sabia.

***

Terça-feira, quinze para as cinco da matina o despertador toca, como se precisasse. Moça e menininha pulam da cama. Era quase um tirar o pai da forca. Vestem-se às pressas, a moça um pouco preocupada com o que vestir em tão pitoresca ocasião.  A primeira coisa que aconteceu quando ela pisou fora de casa foi a sua preocupação se justificar. Ela não tinha medo de violência física, mas, ah!, que nojento ser olhada daquela maneira por aquele homem também nojento! Fez meia volta, esforçou-se ao máximo para parecer moça de família e quando o nojento foi embora voltou a caminhar na direção da esquina somente para constatar, desolada, que a Rose não estava lá. Porque era a Rose a única pista do desaparecimento da Graviola, ela esperou. Na esquina, de madrugada, em situação inédita pra moça que se preze.

Logo um carro encostou na esquina e a Rose desceu. A moça bem imaginou que ela devia estar trabalhando, pois na noite anterior ela havia jurado que todos os dias exercia o ofício até seis da manhã naquela esquina. Juntas elas puseram-se a esperar os supostos sequestradores da Graviola. Como eles não passavam nunca, a moça ficou sabendo dos três filhos da Rose, do acidente que paralisara seu pai, dos seiscentos reais de aluguel, do ex-patrão, etc. Elas caminhavam alguns metros, a Rose com dor no pé e com o chinelo de dedo arrebentado.

Lá pelas tantas a moça foi pra casa chorar no colo da sua mãe porque os suspeitos não passaram. A mãe, é claro, sentia pela filha. Muniu-se de sua calma e maturidade e foi para a rua. Andou para além da esquina da Rose, que não estava mais lá, e deparou-se com um ponto de táxi. Contou aos motoristas o pranto da filha, e eis que surge uma nova pista. Havia sim uns moços, mas não era todo dia, era toda segunda-feira. Pegavam a tal da van e iam para a tal da construção pegar no tal do batente durante toda a semana. E não é que um dos taxistas lembrava o nome da empresa?

A mãe só foi acordar a moça, que voltara a dormir, depois de jogar o nome da empresa no Google, contar à secretária a história da Graviola (com o adendo “criança doente”), descobrir que a cachorrinha fora levada para uma construção em Porto Feliz (onde estava fazendo a festa dos pedreiros/sequestradores) e garantir que o mestre de obras a traria pra casa sã e salva na noite de quarta-feira.


Epílogo

A Graviola voltou pra casa por volta das oito da noite, alegre e frenética como no dia em que eu a conheci. A Rose deve ter chegado na minha esquina bem mais tarde do que isso. Como trabalho de dia e à noite estou dormindo, ainda não consegui encontrar a Rose para agradecer pessoalmente, coisa que meu pai já fez. Eu acho que ela não lê meu blog. Acho mesmo que nem acessa internet. Estou devendo um “obrigada” de todo tamanho pra essa mulher.


foto: Caroline Riley


Curta 10 pérolas no Facebook e receba atualizações, dicas culturais e muito mais.

5 comentários:

  1. Happy ending! Quero conhecer essa Graviola em pessoa =]

    ResponderExcluir
  2. Ela é linda demais! Imagino o seu desespero...que bom que o final foi feliz!!

    ResponderExcluir
  3. Sapeca sapeca Graviola! E que legal a historia, e com final feliz...
    Caysa

    ResponderExcluir
  4. Gravioooolaaaaa! Deve estar gigante essa danada.

    ResponderExcluir